Capivara Criminal

A sombra da corrupção sobre a saúde de MT

Já dura dois anos investigação de irregularidades milionárias em contratos do governo de Mato Grosso com empresas suspeitas de formação de cartel

Uma sombra paira sobre os gastos da saúde em Mato Grosso. É um espectro nascido num dos períodos mais complexos já vividos pela humanidade, a pandemia de covid-19, doença com mais de 15 mil mortes entre moradores mato-grossenses, tornando tudo mais doído, se for atestado pelas provas em fase de coleta.

Enquanto a população suportava a piora da via crucis por atendimento público na crise sanitária, empresários e pessoas com cargos públicos, segundo as suspeitas sob investigação, se locupletavam – enriqueciam em palavra mais fácil. Faziam isso a partir de contratos irregulares, e de formação de cartel, a prática do acordo entre empresas para controlar um mercado e ganhar mais dinheiro, no fechar dos envelopes.

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Carros de luxo apreendidos na segunda fase da operação “Espelho”, em março deste ano. (Foto: Divulgação)

Esses comportamentos, criminosos segundo a lei, são objeto da operação “Espelho”. A iniciativa policial teve a primeira fase em 2021, e outra em março deste ano, quando foram arrestados R$ 35 milhões em bens, para efeitos de ressarcimento do dinheiro usado indevidamente, se ao final das apurações houver comprovação dos fatos denunciados.

Carros de luxo e propriedades rurais foram sequestrados para esse fim. Pertencem, em geral, a beneficiados pelo esquema alvo dos levantamentos policiais. O inquérito, sigiloso, segue em andamento na Deccor (Delegacia Especializada de Combate à Corrupção), há quase dois anos, sem previsão de conclusão.

Inferência direta da investigação jornalística feita, é que o tema é extremamente sensível no governo do estado.

Não apenas isso. Direito de todo cidadão, conforme a Constituição Federal, o acesso à saúde está sendo motivo para de inequívoco ringue político entre o governador, Mauro Mendes (União), e o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB).

Intervenção em Cuiabá

Desde março de 2023, a saúde na capital de Cuiabá é comandada por um Gabinete de Intervenção do governo estadual, autorizado pela Assembleia Legislativa e mantido por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Os pedidos nesse sentido começaram em setembro do ano passado, em plena campanha eleitoral, pela entidade sindical dos médicos a serviço da prefeitura, sob alegação de problemas generalizados, de falta de insumos a descumprimento de determinações judiciais.

O panorama pintado era de caos.

Depois, o MPMT (Ministério Público de Mato Grosso) encampou a demanda e foi à Justiça, Em janeiro de 2023, a intervenção foi decretada, porém derrubada pelo STJ.

Em março, a mesma corte decidiu diferente, em favor da intervenção. Foi solicitada, pelo MPMT, a ampliação por mais 90 dias, deferida pela Justiça, conforme veio a público neste sábado. Agora, vai até dezembro.

“O prazo de 90 dias, inicialmente concedido para a execução da intervenção na saúde, consoante acórdão do dia 13 de março de 2023, é absolutamente insuficiente para a adoção das medidas complementares que se afiguram essenciais para a plena garantia dos princípios vulnerados, reconhecidos por este egrégio Tribunal de Justiça”, defendeu o procurador-geral de Justiça, Deosdete Cruz Junior, em trecho do documento apresentado ao TJMT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso).

Ao longo dos meses de intervenção, o Gabinete responsável pela administração da saúde na capital mato-grossense vem divulgando melhorias nos serviços prestados. A administração municipal, de seu lado, afirma ser cortesia com chapéu alheio.

“Em síntese, absolutamente tudo o que o gabinete de intervenção diz ter realizado, nada mais foi do que dar continuidade a todas as ações que a Secretaria Municipal já estava fazendo, seguindo o plano de ação elaborado em janeiro de 2023 pela sua equipe técnica”, assinalou material divulgado à imprensa pela prefeitura cuiabana.

Como parte da medida interventora, o governo destituiu a cúpula da Empresa Cuiabana de Saúde Pública, responsável pela gestão de hospitais públicos em Cuiabá.

Carona em ata do Acre

No meio desse impasse todo, as apurações da Deccor se desenrolam. O capítulo mais recente desse novelo de longos fios foi a apresentação, no mês passado, de adendo à denúncia já apresentada pela Síntese, fornecedor de órteses e próteses à Empresa Cuiabana de Saúde Pública, que parou de receber os valores previstos em contrato, em detrimento de uma das nove integrantes do grupo suspeito de formar, na verdade, uma única rede, leia-se cartel. Todas as empresas seriam ligadas ao grupo Sanus.

A mudança ocorreu antes da intervenção estadual.

Na versão da Síntese, o contrato em vigor teve os pagamentos suspensos sem qualquer justificativa plausível em razão da adesão da empresa da prefeitura a uma licitação feita no Acre, com a Medtrauma, um dos braços do grupo Sanus.

“A representada, MEDTRAUMA SERVIÇOS MÉDICOS ESPECIALIZADOS LTDA., conforme Cartão CNPJ, da Receita Federal, possui CNAE (Código Nacional de Atividades Econômicas) em atividades de atendimento em pronto-socorro e unidades hospitalares para atendimento a urgências; pelo seu estatuto e alterações, é formada, unicamente, por médicos e por empresas, cujos sócios proprietários, são médicos, conforme documentos anexados na Junta Comercial do Estado do Mato Grosso, nº do protocolo 22/112.492-6, processo módulo integrador nº MTN2224350294, com único objetivo de oferecer serviços médicos”, diz trecho do documento.

Apesar disso, continua o material, a Medtrauma foi definida como a responsável por fornecer, com exclusividade, órteses, próteses e outros materiais aos hospitais administrados pela Empresa Cuiabana de Saúde, mesmo sem ter essa atividade em seu cadastro junto aos órgãos oficiais.

Na denúncia complementar, é relatado procedimento parecido pela Secretaria de Saúde de Mato Grosso, em outubro de 2022. A alteração, decreve a Síntese, veio logo depois da prorrogação de contratação.
A ata à qual a Secretaria de Saúde e a empresa cuiabana aderiram, do governo do Acre, está sendo alvo de investigação por suspeita de sobrepreço.

Esse modelo de contratação do poder público é uma espécie de carona em processos licitatórios já executados, previsto na lei brasileira, mas que volta e meia configura indícios de fraudes. COstuma ser usado com a desculpa de ser mais rápido e menos trabalhoso.

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“O deslinde da licitação mostrou que o preço de cotação da licitante que veio a se tornar vencedora de fato estava bem além do que as empresas licitantes vieram a apresentar como proposta no certame, especialmente a própria Medtrauma, cuja proposta foi de R$ 30.205.995,96, valor 46% inferior ao preço apresentado na fase de cotação”, diz documento do Tribunal de abril deste ano. A sociedade formada por médicos havia oferecido, na cotação, o valor de R$ 51 milhões.


Para a corte de fiscalização das contas públicas, a Medtrauma nem deveria ter sido habilitada para a licitação. Como foi, o TCU determinou a retenção de todos os valores pagos acima do limite do contrato.
Diante da chegada dos dados sobre à adesão À ata pela empresa municipal de Cuiabá e pela Secretaria de Estado de Saúde, em maio desde ano, também foi determinado que o pagamento em Mato Grosso obedeça os limites do contrato original e, se houver qualquer montante acima, seja retido.




“A empresa MEDTRAUMA está em franca atividade ILEGAL. A prática do comércio é proibida na medicina. A medicina não pode, em qualquer circunstância ou de qualquer forma, ser exercida como comércio. Nem pode ser exercida concomitantemente, paralelamente, simultaneamente, com o exercício comercial”, argumenta a representação da Síntese.




A Medtrauma foi procurada pela Capivara Criminal sobre as investigações. A resposta dada pelo setor jurídico é de que a empresa não vai se manifestar por se tratar de investigação em sigilo.


O MPMT, em resposta a pedido de informação sobre as investigações, respondeu que aguarda a conclusão do inquérito pela Polícia Civil.

“O Ministério Público fará o exame do Inquérito Policial no prazo de 30 dias e estando tudo em ordem e não havendo necessidade de complementar as investigações com alguma diligência adicional, o Ministério Público poderá oferecer denúncia contra todos os envolvidos”, declara o órgão ministerial.

“Recai sobre os investigados o sequestro judicial sobre bens móveis e imóveis, cuja medida servirá para garantir o ressarcimento dos prejuízos causados ao Estado”, complementa a nota

A Deccor foi procurada pela Capivara Criminal, via assessoria de imprensa da Polícia Civil e por meio de contato telefônico de autoridade policial, ainda sem retorno.



A assessoria de imprensa informou que, por se tratar de ponto facultativo na sexta-feira (9), só na segunda-feira (12 de junho), conseguirá responder a pergunta sobre o assunto da coluna deste domingo. Quando isso ocorrer, esse texto será atualizado.

A Secretaria de Saúde do Mato Grosso, informou que “as investigações oriundas da operação Espelho ainda estão em andamento por parte da Polícia Judiciária Civil e que o órgão aguarda a conclusão das investigações para tomar as providências necessárias”.


A origem


Operação Espelho 1

“Deflagrada em 2021, a primeira fase da operação Espelho investigou fraudes e desvios de valores ocorridos no contrato de prestação de serviços médicos no Hospital Estadual Lousite Ferreira da Silva, o Metropolitano, em Várzea Grande”, informou a Polícia Civil de Mato Grosso ao divulgar o caso.

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Hospital de Várzea Grande, onde foram recolhidos materiais para investigação. (Foto: Divulgação)



Pelo que foi relatado, o desdobramento das investigações a Polícia Civil apurou que a empresa contratada integrava um cartel de empresas dedicado a fraudar licitações e contratos de prestações de serviços médicos, principalmente, de UTIs, em todo o estado. Foram identificados contratos fraudulentos com hospitais municipais e regionais de Mato Grosso.

Operação Espelho 2

“A apuração que originou a Operação Espelho teve início após a Deccor receber uma denúncia de que a empresa contratada para fornecer médicos plantonistas para o Hospital Metropolitano em Várzea Grande, na especialidade de clínica, disponibilizaria número de médicos inferior ao contratado. Em diligência de investigadores da Deccor e auditores da CGE (Controladoria Geral do Estado) in loco no hospital, foi requisitada a documentação contendo os registros dos espelhos das folhas de pontos dos plantões dos médicos fornecidos pela referida empresa. Com base nessa documentação, a CGE elaborou um relatório de auditoria que apontou diversas irregularidades na execução dos contratos.”

As ordens judiciais determinadas pela Justiça Estadual incluem a proibição de novas contratações e de suspensão de contratos e pagamentos em vigência. As buscas e apreensões, sequestro e bloqueios ocorreram nas cidades nas cidades de Alta floresta, Colíder, Cuiabá, Peixoto de Azevedo, Várzea Grande e Sinop.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Capivara Criminal, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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