Emiliana Mendes: o feminicídio e o silêncio que oculta vítimas
Quem foi Emiliana Mendes, 5ª vítima de feminicídio de 2025 em Mato Grosso do Sul
Para muitos sul-mato-grossenses, a noite de 24 de fevereiro de 2025 foi apenas mais um dos 365 dias do calendário. Em Juti, porém, as ruas escuras e sem asfalto se tornaram cenário de uma violência brutal que encerrou a vida de Emiliana Mendes, 65 anos.

Emiliana tinha um semblante sereno e traços marcados pelo tempo. Na foto de seu documento de identidade, única imagem encontrada da vítima, usava o cabelo preso para trás e vestia uma blusa clara.
O olhar firme refletia uma vida inteira de resistências silenciosas, típicas de quem enfrentou adversidades longe dos holofotes e do registro público.
Mulher indígena, mãe e parte de uma comunidade que convive com desafios históricos, ela se tornou a 5ª vítima de feminicídio em Mato Grosso do Sul — crime que, em 2025, já ceifou 22 vidas e deixou famílias despedaçadas.
Segundo a Polícia Civil, Emiliana foi morta pelo namorado, Vanderson dos Santos Carneiro, após uma discussão. O crime ocorreu no quintal da casa de um conhecido e, em seguida, o corpo foi arrastado até o imóvel onde ela vivia, na Avenida Mato Grosso. Horas depois, o acusado foi encontrado caminhando pela BR-163, confessou o feminicídio e acabou preso.
Emiliana morreu esganada por um homem que acreditou ter o direito de tirar a vida de uma mulher apenas por causa de uma discussão.
Mesmo após a morte, continuou sendo violentada ao ser arrastada pela rua de terra até a casa do criminoso. O corpo foi encontrado em uma quitinete, numa tentativa de simular uma morte natural.
Apesar de ter sido vítima de um crime tão brutal, as imagens que restam de Emiliana são de seu corpo levado pelas ruas de terra e de seu agressor sendo preso.

Silêncio
O Primeira Página tentou entrar em contato com diversas pessoas da região e descobriu que Emiliana tinha pelo menos uma filha. No entanto, ninguém que conhecia a vítima aceitou falar sobre o caso.
A ausência de memórias públicas revela outra face da violência: o silêncio que envolve a vida de muitas mulheres, especialmente indígenas mais velhas, cujas histórias raramente são documentadas fora do círculo familiar ou comunitário.
No caso de Emiliana, esse silêncio é quase absoluto. Não há fotos, homenagens ou mensagens públicas. Quanto mais distante de áreas urbanas ocorre o crime, menos se sabe sobre a vítima. Somado ao fato de que ela era indígena e idosa, torna-se quase impossível dar um rosto a ela.
O contraste é evidente quando se inverte o olhar para o agressor. No dia do crime, Vanderson, de 32 anos, ganhou destaque na mídia com fotos e entrevistas policiais sobre a perseguição. Tentou fugir a pé para Caarapó pela BR-163, mas foi preso poucas horas depois.
Revitimização
Uma busca nas redes sociais por qualquer vínculo com Emiliana revela outra face da violência: a revitimização.
O crime brutal se perde entre comentários que culpam a própria vítima por sua morte, seja pela idade, pelo relacionamento ou pelo simples fato de estar onde estava.
“Meu Deus do céu, que triste. Uma senhora com 65 anos arruma um cara mais jovem confiando que vai ser parceiro e morre pela mão do vagabundo. Podia estar com a vida sossegada sem estar arrumando esses tranqueira. Que Deus conforte os familiares e as autoridades peguem mais firme nessa lei de proteção contra o feminicídio.”
“Primeiro lugar, meus sentimentos à família. E que sirva de lição para outras mulheres: diferença de idade nunca dá certo. Pense duas vezes antes de arriscar a vida.”
“Misericórdia, Senhor Jesus 🙏. Mas o que uma senhora idosa podia esperar de um homem que tem idade para ser seu filho? Ele não quer nada sério.”
“Meu Deus, o que uma senhora estava fazendo com um homem 22 anos mais novo? As mulheres de hoje em dia levam o assassino para dentro de casa.”
Esses são apenas alguns exemplos de como a sociedade, muitas vezes, desloca a culpa do agressor para a vítima — culpando mulheres por serem mortas, seja pela roupa que vestiam, pela idade, pelo relacionamento ou pelo lugar em que estavam.
Quem deve ser lembrada?
Assim como tantas outras mulheres vítimas da violência de gênero em Mato Grosso do Sul, Emiliana agora faz parte da triste estatística que o Primeira Página vem acompanhando: mulheres que, antes de serem vítimas, eram pessoas com histórias, sonhos e laços.
Sua ausência nas redes sociais, nos arquivos públicos e até nas memórias acessíveis a quem tenta contar sua história expõe uma ferida silenciosa: o apagamento.
Com a história de Emiliana, fica a lembrança de que o combate ao feminicídio vai muito além de prender agressores. É também lutar para que as histórias dessas mulheres não sejam esquecidas.
Pouco se sabe sobre Emiliana além do que consta nos registros policiais: que era mãe, que vivia em Juti e que tinha raízes indígenas. E fica o questionamento: quem merece ser reconhecida? Quem merece destaque? Quem merece ser lembrado?
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🚨 Denuncie a violência contra a mulher
Violência doméstica — seja psicológica, física, moral ou verbal — é crime e precisa ser combatida. Saiba como denunciar:
Emergência: se a agressão estiver acontecendo, ligue 190 imediatamente;
Central de denúncias: disque 180. O atendimento é gratuito, sigiloso e funciona 24 horas por dia, todos os dias. Também é possível denunciar via WhatsApp: (61) 9610-0180;
Presencial: procure a delegacia mais próxima ou acione a Polícia Militar pelo 190;
Em Mato Grosso do Sul as denúncias de violência de gênero podem ser feitas de maneira on-line. Clique aqui e faça a denúncia.
⚠️ Violência contra a mulher não pode ser ignorada. Basta! Denuncie.

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