Mais de 560 trabalhadores em situação análoga a escravidão são resgatados em MT

A investigação foi intensificada após um incêndio destruir os alojamentos no dia 20 de julho de 2025

Uma força-tarefa formada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal (PF) resgatou 563 trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma obra da TAO Construtora, em Porto Alegre do Norte, interior de Mato Grosso.

O grupo atuava na construção de uma usina de etanol da empresa 3tentos. A investigação foi intensificada após um incêndio destruir os alojamentos no dia 20 de julho de 2025. De acordo com o MPT, a situação expôs um cenário de violação de direitos trabalhistas, incluindo moradia degradante, falta de água potável, alimentação imprópria e jornadas excessivas.

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Alojamento em que os trabalhadores foram encontrados. (Foto: Reprodução)

De acordo com a 3tentos, os empregados não tem vínculo empregatício com a empresa, mas sim com a construtora responsável pela obra. (Veja nota)

Nota à Imprensa – 3tentos
A 3tentos informa que está acompanhando o caso envolvendo uma das empresas contratadas para a obra em Porto Alegre do Norte/MT.
Adotamos uma série de ações para apurar os fatos e avaliar medidas cabíveis e estamos colaborando integralmente com as autoridades competentes.
Prezamos pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas são incompatíveis com os valores da companhia. Reafirmamos nosso compromisso com a transparência, a segurança e o respeito às pessoas em todas as nossas operações.

Alojamentos superlotados e sem condições mínimas

Nos alojamentos, os trabalhadores dormiam em quartos abafados, com apenas um ventilador para quatro pessoas, sobre colchões usados e em más condições. Não havia travesseiros, roupas de cama ou espaço suficiente – muitos dormiam no chão ou sob mesas por falta de camas.

Segundo os relatos, a situação piorou semanas antes do incêndio, quando a falta de energia elétrica interrompeu o abastecimento de água, tornando impossível o uso dos banheiros e a higiene pessoal. Em alguns momentos, os trabalhadores precisaram tomar banho com canecas e enfrentar longas filas para usar sanitários sujos.

No dia do incêndio, a empresa passou a usar caminhões-pipa para buscar água do Rio Tapirapé, distribuindo água turva nos bebedouros. Parte dos alojamentos masculino e feminino, a guarita de entrada e a panificadora foram destruídos.

Após o incidente, a empresa passou a alojar os funcionários em hotéis e casas alugadas na cidade. Ao todo, foram registradas 18 demissões por justa causa, 173 pedidos de rescisão antecipada de contratos e 42 pedidos de demissão voluntária. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os pertences pessoais.

Trabalhadores eram de outros estados

A maioria dos trabalhadores são oriundos do Maranhão, Piauí e Pará. Muitos relataram ter arcado com os custos das passagens para Mato Grosso, que depois eram descontadas dos salários. Aqueles reprovados em exames ou não contratados ficavam sem recursos para voltar.

Nas redes sociais, um trabalhador identificado como Samuel Pereira comentou em postagens da empresa: “Foi pouco. Quem é cachorro pra beber água de rio? Três dias sem água! (…) Não dá pra ficar em um lugar como esse…”

denuncia trabalho escravo
Comentário de um ex-funcionário na página da empresa. (Foto: Reprodução)

Jornadas exaustivas e pagamento “por fora”

A investigação revelou ainda o uso do chamado “cartão 2”, sistema em que os funcionários trabalhavam além da jornada contratual, inclusive aos domingos, até as 22h. As horas extras eram anotadas em planilhas à parte e pagas em dinheiro ou cheques, fora da folha oficial, caracterizando sonegação fiscal.

Larvas na comida e refeitório sem ventilação

A alimentação oferecida também era alvo de denúncias. Os trabalhadores relatavam refeições repetitivas, requentadas e com larvas ou moscas. O refeitório não tinha ventilação adequada, tornando o ambiente insalubre para as refeições.

Nas frentes de trabalho, também foram constatadas condições inseguras, falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e ausência de registros de acidentes, mesmo com casos de lesões nas mãos, pés e doenças de pele.

Medidas em andamento

As audiências administrativas ocorreram entre os dias 30 de julho e 5 de agosto, com depoimentos de trabalhadores e representantes da empresa. O MPT está em negociação de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para garantir:

Pagamento de verbas rescisórias

Valores devidos aos trabalhadores no encerramento do vínculo empregatício.

Indenizações por dano moral individual e coletivo

Compensações financeiras pelos prejuízos psicológicos e sociais causados.

Reembolso de despesas com deslocamento e retorno aos estados de origem

Custos cobertos para garantir o retorno digno aos trabalhadores afetados.

Reparação de bens perdidos no incêndio

Ressarcimento pelos itens materiais destruídos no ocorrido.

Posição da empresa

Em nota divulgada no dia do incêndio, a TAO Construtora alegou que o episódio foi causado por um motim deliberado dos trabalhadores, sem justificativa aparente. Contudo, as fiscalizações apontaram diversas irregularidades incompatíveis com essa versão.

Sobre as investigações de trabalho análogo à escravidão, a empresa diz que está “colaborando integralmente com as autoridades nas apurações relacionadas à obra em Porto Alegre do Norte” e diz não ter sido autuada formalmente sobre os crimes citados pelo MPT.

A TAO diz ainda que alguns trabalhadores manifestaram o interesse “de retornar ao trabalho”, o que para eles “demonstra a relação de confiança construída no canteiro de obras”.

A empresa compartilhou também imagens do alojamento, que de acordo com eles, foram registradas antes do incêndio. Veja:

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Confira a nota na íntegra:

TAO Construtora esclarece fatos sobre operação em Porto Alegre do Norte (MT).
A TAO Construtora, com mais de 20 anos de atuação no setor da construção civil e mais de 80 obras executadas, informa que vem colaborando integralmente com as autoridades nas apurações relacionadas à obra em Porto Alegre do Norte (MT), após um incêndio criminoso ocorrido em 20 de julho, provocado por um grupo isolado de trabalhadores.
Desde o início da fiscalização, a empresa garantiu acesso irrestrito às instalações e documentos, além de atuar no acolhimento realocação dos colaboradores afetados.
Ressaltamos que, até o momento, não há autuação formal contra a empresa.
A TAO reforça seu compromisso histórico com práticas trabalhistas éticas, respeito à legislação e aos direitos dos trabalhadores. Importante destacar que uma grande quantidade de colaboradores manifestou o desejo de retornar ao trabalho, o que demonstra a relação de confiança construída no canteiro de obras.
A empresa firmou, com o Ministério Público do Trabalho, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com caráter emergencial e reparatório, sem confissão de culpa, como forma de garantir suporte imediato aos trabalhadores e manter seu compromisso com a transparência e o diálogo.
A TAO Construtora repudia veementemente qualquer prática análoga à escravidão ou tráfico de pessoas, e seguirá colaborando com as investigações, confiando que a verdade será esclarecida com responsabilidade e respeito ao devido processo legal.

Quem é a TAO Construtora?

A TAO Construtora possui quatro obras em andamento em Mato Grosso, empregando cerca de 1,2 mil trabalhadores, sendo a de Porto Alegre do Norte a maior delas.

Trabalho escravo no Brasil

Em 2024, 2.186 pessoas foram resgatadas em condições análogas à escravidão no Brasil, segundo dados oficiais. O grupo resgatado em Mato Grosso representa mais de 25% do total registrado em todo o país no mesmo ano.

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