Miriele: a amizade, o feminicídio e a memória que resiste

Miriele da Silva Santos foi a quarta vítima de feminicídio registrada em Mato Grosso do Sul em fevereiro de 2025

“Parecia que ela sabia que seria a última noite.” Esse tipo de pressentimento, muitas vezes, só entendemos depois, ao olhar para trás e sentir o peso da perda…

É com esse sentimento doloroso, em meio a tantas lembranças bonitas, que vive Caique Ferreira, melhor amigo de Miriele da Silva Santos, de 26 anos. A jovem foi assassinada pelo ex-marido em 22 de fevereiro deste ano, em Água Clara, município a 181 km de Campo Grande, considerado tranquilo e que não registrava um crime tão brutal havia anos.

Miriele da Silva Santos
Miriele, de 26 anos, 4ª vítima de feminicídio em MS. (Foto: Redes Sociais)

Fausto Júnior Aparecido de Oliveira colocou a jovem na 4ª posição de vítima de feminicídio em Mato Grosso do Sul.

Amizade

A amizade entre Miriele e Caique parecia destino, já que as famílias se conheciam. Mas a cumplicidade só surgiu quando o rapaz trabalhava em um salão de beleza. Depois, o beach tennis aproximou ainda mais os dois.

“Tínhamos um grupo de quatro amigos. Era uma galera, mas tinha um grupo só nosso (…) Ela era guerreira, sempre me dava conselhos, via em mim o que eu mesmo não via”.

Caique Ferreira, melhor amigo de Miriele

Seis meses depois de sua partida brutal, o que resta é a saudade da parceira de todo fim de semana.

Miriele
Miriele estava separada há três meses do criminoso. (Foto: Redes Sociais)

Em junho deste ano, quando a ausência apertou, Caique escreveu um texto para Miriele e postou nas redes sociais. Nele, o amigo coloca para a fora toda a escuridão que cresceu dentro de si.

“Eu nunca fui de falar nada. Nunca fui de descrever, nunca fui de demonstrar. Mas desde que tudo aconteceu, eu me sinto tão confuso… tão sozinho. Fiquei parado, sem entender, sem acreditar. Como se tudo fosse mentira. Como se eu fosse acordar e você ainda estivesse aqui. Mas o tempo passa… e eu sei que isso não vai acontecer. Só que, mesmo sabendo disso, minha cabeça insiste em esperar. Eu penso tanto em você… penso nas nossas conversas, nos planos, nos momentos que ficaram pela metade. E dói. Dói porque você não merecia isso. Dói porque eu não pude fazer nada pra te proteger. Eu sinto saudade! Mas eu vou tentando. Um dia de cada vez. E enquanto eu estiver aqui, você também vai estar. Na minha memória, no meu coração, nos meus dias.”

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Feminicídio

A última noite divertida dos amigos aconteceu um dia antes do crime. Caique não queria sair, mas Miriele insistiu. “Parecia que ela sentia, sabe? Parecia que ela sabia que seria a última noite”.

Na madrugada do dia 22 de fevereiro, os dois planejavam viajar para Costa Rica, a pedido de Miriele. “Ela falou que ia tomar banho e, em 10 minutos, estaria pronta. Eu fiquei esperando na minha casa, já pronto, mas ela foi para a casa dele… E foi quando aconteceu”, lembra.

“Ela me deixou em casa, de carro, e falou assim pra mim: ‘Não dorme’. Falei: ‘Não, vou só tomar um banho, fazer um tereré e vamos. A gente pega a estrada’. Você acredita que eu tomei banho, fiz o tereré, arrumei a mochila e dormi no sofá. Aí acordei com a minha mãe perguntando onde estava meu celular e dizendo que ele tinha matado a Miriele. Eu não acreditei. Falei: ‘Tá ficando doida?! A gente vai viajar daqui 40 minutos, meia hora no máximo’. Aí eu liguei [pra ela], o celular tava desligado; e já tinha um monte de gente na porta da minha casa, me gritando, achando que eu tava junto com ela e que tinha acontecido a mesma coisa.”

Caique ainda tentou contato: “Mandei mensagem, liguei pra ela e não atendeu. Aí foi a hora que eu imaginei o que tinha acontecido”.

“Louco, psicopata, maníaco”

Miriele e Fausto ficaram casados por sete anos, mas estavam separados havia três meses. Segundo Caique, a amiga dizia que o relacionamento não ia bem e decidiu colocar um ponto final. Porém, o ex-casal vivia entre idas e vindas. Em uma festa, Fausto encontrou Miriele, pediu para reatar, mas ela recusou.

A relação com o assassino não era vista com bons olhos pelos amigos, pois ele tinha um histórico de violência.

“No começo até que era tranquilo. A gente, na verdade, sempre foi meio assim, né? Agressivo… E ele tem dois processos. Um homicídio e uma tentativa [de homicídio]. Eu sempre falei pra ela que ele era louco, um psicopata, maníaco.”

Quando começou a se relacionar com Fausto, Miriele mudou seu jeito de ser. “Quando ela largou dele estava mais feliz, contente. Esses últimos meses de vida dela ela viveu, dançou, curtiu, estava carinhosa, conselheira. Ela era linda, linda.”

Mesmo com o temor de vê-la ao lado dele, ninguém imaginava que o pior realmente aconteceria. Na delegacia, o irmão de Miriele relatou que estava na casa do ex-cunhado, junto de outras pessoas, em um churrasco, quando ela apareceu para conversar com Fausto.

Luto por Miriele
Mensagem da Câmara Municipal de Água Clara. (Foto: Redes Sociais)

Após uma discussão, Miriele levou um tapa na cabeça e a briga se intensificou dentro de um quarto. Antes de atirar contra ela, Fausto disparou contra a parede e a porta.

O irmão da vítima tentou tirá-la de lá e pediu que o homem largasse a arma, mas também foi ameaçado de morte. Quando estavam na varanda, o disparo fatal foi feito.

Miriele foi socorrida pelo irmão e pelo próprio assassino até o hospital municipal. No trajeto, Fausto ordenou que o cunhado dissesse aos médicos que o tiro havia sido acidental, sob ameaça de “levar um tiro na cara”.

Enquanto a vítima era atendida, ele fugiu. Em 24 de fevereiro, dois dias depois do crime, o caminhão de Fausto, usado para trabalho, foi incendiado por populares em Água Clara.

No mesmo dia, ele foi capturado pela Polícia Militar, escondido em uma propriedade rural a 20 km da cidade. Dormia em uma rede, certo de sua impunidade.

Atualmente, está preso na Penitenciária de Segurança Média de Três Lagoas pelo crime de feminicídio, cuja pena varia de 20 a 40 anos de reclusão.

Memória que resiste

A saudade de Miriele será para sempre lembrada por Caique, que decidiu homenageá-la com uma tatuagem.

Caique e Miriele
Foto de Caique e Miriele que vai virar tatuagem. (Foto: Redes Sociais)

Agosto Lilás, a cor do luto

Este mês, o lilás, símbolo da luta contra a violência doméstica, ganhou um tom de luto em Mato Grosso do Sul. Em agosto, o estado registrou um triste marco: 22 mulheres assassinadas pelo simples fato de serem mulheres.

🚨 Denuncie a violência contra a mulher

Violência doméstica — seja psicológica, física, moral ou verbal — é crime e precisa ser combatida. Saiba como denunciar:

Emergência: se a agressão estiver acontecendo, ligue 190 imediatamente;

Central de denúncias: disque 180. O atendimento é gratuito, sigiloso e funciona 24 horas por dia, todos os dias. Também é possível denunciar via WhatsApp: (61) 9610-0180;

Presencial: procure a delegacia mais próxima ou acione a Polícia Militar pelo 190;

Em Mato Grosso do Sul as denúncias de violência de gênero podem ser feitas de maneira on-line. Clique aqui e faça a denúncia.

⚠️ Violência contra a mulher não pode ser ignorada. Basta! Denuncie.

Selo Basta
Basta, campanha contra violência doméstica e feminicídio do Primeira Página

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